Apelação Criminal Nº 0001494-38.2007.404.7102/rs

Direito penal. Gerente da caixa econômica federal. Apropriação de valores. Pis. Crime contra a administração pública. Peculato. Crime contra o sistema financeiro. Desclassificação para o art. 5º da lei nº 7.492/97. Art. 514 do cpp. Não incidência. Materialida e autoria. Prova documental e testemunhal. Inexigibilidade de conduta diversa. Excludente de culpabilidade não reconhecida. Circunstâncias do art. 59 cp. Readequação. Art. 327, §2º, do cp. Afastamento. Multa. Proporcionalidade com a sanção corporal. Redução do valor do dia-multa. Reparação dos danos. Cabimento. Decretação da perda de cargo público. 1. Os verbos nucleares do tipo previsto no art. 5º da Lei nº 7.492/86 estão delineados como apropriar-se (tornar como próprio, apossar-se, apoderar-se) ou desviar (dar destinação diversa, desencaminhar) dinheiro, título, e outros bens móveis em proveito próprio ou alheio. Já no delito de peculato (art. 312 do Código Penal) são duas as condutas típicas previstas, quais sejam ''apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio''. No caso dos autos, as duas figuras delitivas aparentemente subsumem-se às condutas perpetradas pela acusada, aplicando-se à espécie o princípio da especialidade, o qual faz incidir, em razão do cargo de gerente de relacionamento ocupado pela denunciada, a Lei nº 7.492/86. 2. Encontra-se pacificado o entendimento de que é desnecessária a resposta preliminar de que trata o referido dispositivo quando a ação penal for instruída por inquérito, como no caso em tela, a teor da Súmula nº 330 do Superior Tribunal de Justiça. Ainda, a ré respondeu a processo administrativo realizado internamente pela Caixa Econômica Federal, o qual culminou com sua demissão, de modo que seu direito de defesa, plenamente exercido, não foi em momento algum prejudicado. Por último, a fim de dirimir qualquer dúvida acerca da questão, saliento que o procedimento especial previsto nos arts. 513 a 518 do Código de Processo Penal só se aplica aos delitos funcionais típicos, descritos nos arts. 312 a 326 do Código Penal. 3. Em relação à autoria, não há falar em insuficiência de provas, pois se demonstrou cabalmente que a ré se apropriou dos valores sacados de forma ilegal de beneficiários do PIS. Não foi apresentada qualquer explicação para o ocorrido, já que a ré optou por não apresentar a sua versão dos fatos nas sedes policial e judicial, o que, isoladamente, não a incrimina. Contudo, os documentos constantes dos autos e os depoimentos das testemunhas tornam evidente a autoria da ré. 4. Ressaltaram os depoentes que era comum os funcionários confiarem na documentação entregue na retaguarda por um colega, efetuando diretamente a liberação dos valores, exatamente como ocorreu no caso em tela. A acusada forjou os documentos necessários, inclusive as assinaturas de beneficiários, para, ela própria, retirar o dinheiro. Por sua condição de gerente de relacionamento e eventual substituta do gerente-geral da agência, não levantaria suspeitas dos operadores do caixa, em razão da hierarquia e também pela relação de confiança existente entre empregados da CEF. 5. Acerca da tese da excludente de ilicitude decorrente do fato de a irmã da acusada induzir-lhe a uma situação de dificuldades econômicas, não há o que acrescentar àquilo já decidido na sentença, ainda que sob o tópico de “estado de necessidade“. A ré não comprovou minimamente tais alegações, tanto no que se refere às suas condições financeiras (ou da irmã) quanto em relação à moléstia em si. Ademais, mesmo com tal comprovação, não seria justificável cometer crimes por necessitar a acusada de dinheiro para aplicar no tratamento de saúde de sua familiar. 6. Em que pesem as razões expostas no recurso ministerial para o aumento do quantum atribuído à culpabilidade, esta deve ser considerada neutra, pois é inerente ao cargo de gerência o conhecimento da ilegalidade do ato de se apropriar de valores pertencentes a terceiros. Entretanto, merecem maior reprovação as demais vetoriais negativas (circunstâncias e consequências do crime), porquanto extremamente graves: a primeira por ter a ré se valido de sua simpatia e amizade com os colegas de trabalho para cometer os delitos, e a última em razão do enorme prejuízo suportado pela CEF - acima de R$ 240.000,00. 7. Em decorrência da desclassificação para crime contra o sistema financeiro, deve ser afastada a causa de aumento prevista no art. 327, §2º, do CP, pois aplicável aos crimes contra a administração pública. 8. A multa manter a devida proporcionalidade com a sanção corporal. Contudo, por se ter aumentado consideravelmente o número de dias-multa, a fim de não impor à condenada sanção exorbitante, reduz-se o valor unitário para 1/2 salário mínimo. 9. Sendo efeito automático da condenação a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, I do CP), a fixação de valor mínimo a título de reparação independe de pedido ou provocação para o contraditório. Por se tratar de norma de natureza processual-penal, aplica-se no momento do ato processual (prolação da sentença), consoante expressa disposição do art. 2° do CPP. Precedente desta Corte. 10. A acusada se apropriou de valores que não lhe pertenciam, sacando cotas de PIS em detrimento dos reais beneficiários e da CEF. Assim, violou dever para com a Administração Pública, prejudicando a transparência da instituição financeira e contribuindo para seu descrédito perante a sociedade. Nesse contexto, impõe-se a perda do cargo, uma vez que o delito implicou quebra da confiança nela depositada. Ademais, a condenação supera 04 anos, fazendo incidir a norma insculpida no art. 92, I, ''b'' do Código Penal.

Rel. Des. Salise Monteiro Sanchotene

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