ACR – 13482/PB – 0002106-37.2013.4.05.8201

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO -  

PENAL. PROCESSUAL PENAL. DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS FEDERAIS. DOSIMETRIA. PENALIDADES EXARCEBADAS. REDUÇÃO. PENA INFERIOR A 04 ANOS. TRANSCURSO DE MAIS DE 08 ANOS ENTRE OS FATOS E RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. DECLARAÇÃO DA PRESCRIÇÃO. 1. Como visto, trata-se de apelações interpostas pela defesa de ANA ADÉLIA NERY CABRAL, pela defesa de JOANA DARC DE MATOS DANTAS AZEVEDO, bem como pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de sentença proferida pelo juízo da 4ª Vara Federal da Paraíba, que cuidou de condenar ANA e JOANA pelo cometimento do delito previsto no atr. 1º, I, do Decreto-lei n.º 201/67 às penas privativas de liberdade de 04 anos e 06 meses de detenção. 2. Segundo a denúncia, ANA, na qualidade de prefeita de Frei Martinho/PB, em conluio com JOANA, nos idos 2006, na condição de assistente social, teriam desviado recursos públicos federais relativos ao Convênio n.º 204/2005, que tinha por objeto dar apoio financeiro à administração municipal na implementação do Programa de Aquisição de Alimentos - Compra Direta Local da Agricultura Familiar (fls. 03/14). 3. Após a instrução processual penal, o juízo, convencido da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, condenou ANA e JOANA pelo cometimento do delito previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei n.º 201/67, aplicando a cada uma delas pena privativa de liberdade de 04 anos e 06 meses de reclusão, isto em virtude de, na primeira fase, considerar a culpabilidade e as consequências do crime como negativas. 4. Inconformada, a defesa de ANA apresentou apelo (fls. 347/357). Na ocasião, aduziu, resumidamente, que a pena-base e, consequentemente, a pena final teriam sido exacerbadas, já que muito acima no mínimo legal previsto para o delito, que seria de 02 anos. No mais, sustentou a ausência de dolo a macular sua conduta, pois não teria, em momento algum, agido com a intenção de desviar recursos, tampouco lesar o erário. 5. Também insatisfeito, o MPF apresentou apelação (fls. 367/377). Na oportunidade, requereu o aumento das penalidades ao argumento de que as circunstâncias do crime e a personalidade das agentes deveriam ser sopesadas como negativas. 6. Na cadência, a defesa de JOANA também apresentou apelação (fls. 431/440), oportunidade na qual também requereu a redução de pena privativa de liberdade aplicada ao argumento de que esta teria sido por demais elevada. 7. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 8. Como visto, as duas acusadas foram condenadas em virtude de, mediante conluio, terem desviado verbas públicas federais que tinham por finalidade implementar a aquisição de alimentos com pequenos produtores rurais da região. 9. Para tanto, teriam forjado esquema delituoso que consistira no seguinte: 1) As rés angariaram agricultores de pequeno porte e baixa instrução para "aderirem ao programa". 2) Tais agricultores compareciam à prefeitura, local onde as rés os convenciam a assinarem documentos (cheques e recibos) em branco. 3) De posse dos cheques e recibos, as rés, ao invés de adquirirem mercadorias aos próprios agricultores locais, teriam desviado os recursos, quer adquirindo produtos no comércio, quer em proveito próprio. 4) Diante da comprovação de tais fatos, o juízo teria condenado às rés pelo crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei n.º 201/67. 10. Foi com base nesse panorama que o MPF sustentou a necessidade de aumentar ainda mais as penalidades das rés, já aplicada na sentença em 04 anos e 06 meses, ou seja, bem acima do mínimo legal, que é de 02 anos 11. Para tanto, aduziu, o órgão ministerial, que as circunstâncias do crime e personalidade das agentes deveriam ser sopesadas como circunstancias judiciais negativas em sede de primeira fase da dosimetria. 12. Com a devida vênia, concordamos com o juízo de primeiro grau ao declinar a inexistência de elementos que permitissem valorar negativamente a personalidade das rés. 13. Ora, a personalidade diz respeito a atributos intrínsecos do agente e não extrínsecos. Logo, não são detalhes percebidos ao derredor da conduta delituosa, mas sim captados, por exemplo, de depoimentos testemunhais e/ou características notadas pelo magistrado no ato do interrogatório que apontem para nuanças íntimas do réu, demonstrando índole negativa, voltada ao mundo do crime. Assim não fosse, toda e qualquer pessoa havida como criminosa seria também considerada de personalidade "ruim". 14. Com essa elucidação, é de se consignar a inexistência de provas - testemunhais e/ou detalhes emergentes dos interrogatórios - capazes de pontuar no sentido de que as rés possuíam personalidade voltada ao mundo do crime. Logo, o juízo neutro é o mais legítimo e mesmo sensato. 15. Quanto as circunstâncias de cometimento do delito, também andou, o magistrado, dentro da legalidade. É que, em crimes do presente viés - desvio de verbas públicas - a utilização de artifícios é comum, sendo praticamente essencial para o cometimento do delito. Ademais, tais "detalhes" já foram considerados no esteio da culpabilidade, o que ensejaria bis in idem, caso utilizados - novamente - para aumentar a penalidade. 16. Em suma, entendemos que a personalidade das rés e circunstâncias do crime não merecem valorização negativa, como quis o MPF em grau de recurso. 17. DOS RECURSOS DAS DEFESAS 18. Como visto, tanto a defesa de ANA, quanto a de JOANA sustentaram que a pena aplicada - 04 anos e 06 meses - fora exacerbada, máxime levando em conta que a pena mínima considerada para o delito é de 02 anos de detenção. 19. O juízo de primeiro grau, com acerto, entendeu que as consequências do delito foram negativas, já que os agricultores que, apenas formalmente, tinham "obtido" os recursos não puderam obter - verdadeiramente - outros. 20. Por outro lado, entendemos que o juízo, ao analisar a culpabilidade, não deveria ter considerado o fato de as rés serem pessoas esclarecidas como motivo para acentuar a penalidade. É que o crime em espécie é crime próprio, ou seja, praticado por prefeito e, no caso, em conluio com outro agente público. Logo, o conhecimento prévio da aplicação dos recursos e consequências da falta de aplicação correta são conhecimentos ostentados naturalmente por quem figura nos polos ativos de tais ações, com raríssimas exceções. 21. Por tais motivos, imperioso afastar o juízo negativo no esteio da culpabilidade, de sorte que, dentre as 08 circunstancias negativas previstas no art. 59 do CPB, apenas uma deve ser mantida, qual seja, as consequências do crime. 22. Com tal alteração, fixamos a pena-base em 03 anos e 04 meses de detenção. 23. Inexistentes agravantes/atenuantes, causas de aumento/diminuição de pena, tem-se que as penas privativas de liberdade finais cominadas a cada uma das rés é de 03 anos e 04 meses de detenção que, por seu turno, prescreve em 08 anos, consoante previsto no art. 109, IV, do CPB. 24. Feita esta alteração, vê-se que, entre os fatos (09/01/2006) e o recebimento da denúncia (24/04/2014) passaram mais de 08 anos. Logo, as penas cominadas às rés restaram extintas pelo advento da prescrição. 25. Apelo do MPF improvido e apelos das defesas parcialmente providos para, diminuindo as penalidades, declarar-se de ofício a ocorrência da prescrição.

Para ler o documento na íntegra, clique aqui!

 

 

Comments are closed.