ACR – 15343/PB – 0000989-42.2012.4.05.8202

RELATOR: DESEMBARGADOR RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO -  

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESVIO E APLICAÇÃO INDEVIDA DE VERBAS PÚBLICAS. ART. 1º, INCISOS I E III, DO DECRETO-LEI 201/1967. RECEPÇÃO DO DIPLOMA NORMATIVO PELA CONSTITUIÇÃO DEFERAL DE 1988. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO VERIFICADO.  PRESCRIÇÃO RETROATIVA DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL QUANTO AO CRIME DE APLICAÇÃO INDEVIDA DE VERBAS PÚBLICAS (DL 201/1967, ART. 1º, INCISO III). EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO RÉU. COMPROVAÇÃO DA AUTORIA E MATERIALIDADE DO CRIME DE DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS (DL 201/1967, ART. 1º, INCISO I). DOLO PRESENÇA DO DOLO. RECONHECIMENTO DE ERRO MATERIAL NA DOSAGEM DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. 1. O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que o Decreto-lei 201/1967 foi recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro, em que pese não existir mais a previsão dessa modalidade legislativa no texto constitucional. Precedente: STF, RHC 107.675/DF, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJE 11/11/2011. 2. Adoção, no sistema processual penal brasileiro, do sistema da persuasão racional ou livre convicção motivada, segundo o qual o juiz aprecia livremente as provas, obrigando-se, todavia, a motivar e fundamentar as suas conclusões. Possibilidade de o juiz dispensar a produção de prova, quando entender ser ela desnecessária à solução da lide, sem que isso configure supressão do direito de defesa das partes. Caso concreto em que o magistrado de primeiro grau deferiu o pedido de expedição de ofício ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a fim de que juntasse aos autos cópia da prestação de contas relativa ao convênio celebrado com o ente municipal e indeferiu a expedição de ofícios ao Tribunal de Contas da União e à prefeitura, por entender desnecessárias as diligências, ante as provas já existentes nos autos. Preliminar de nulidade por cerceamento de defesa não acolhida. 3. Adoção da Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal, para desconsideração do acréscimo de pena decorrente da continuidade delitiva. Constatação de que prescrita a pena de sete meses de detenção, fixada para cada um dos crimes de aplicação indevida de verbas públicas (DL 201/1967, art, 1º, III), eis que decorridos mais de dois anos entre a consumação dos delitos (dezembro de 2008) e o recebimento da denúncia (setembro de 2012). Inaplicabilidade da Lei 12.234/2010, tendo em vista o princípio da irretroatividade da lei penal mais severa. 4. Não conhecimento do apelo interposto pelo recorrente, na parte em que pugna pela absolvição do crime tipificado no art. 1º, inciso III, do Decreto-lei 201/1967. Prejuízo parcial do recurso de apelação, tendo em vista a extinção da punibilidade do agente quanto ao crime de aplicação indevida de verbas públicas. 5. Existência de provas abundantes nos autos de que o recorrente, na condição de Prefeito do Município de Nazarezinho/PB, efetuou saques, na "boca do caixa", de recursos repassados pela União, no valor de R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais), sem que tenha comprovado a realização das despesas. 6. Hipótese em que, além das provas documentais carreadas aos autos, a irmã do recorrente, servidora concursada do Município de Nazarezinho/PB, à época dos fatos investida na função de tesoureira, afirmou à autoridade policial ter atuado como tesoureira "apenas assinando os cheques a pedido do gestor, sem ter conhecimento do que estava assinando", eis que não eram apresentados com empenhos e notas fiscais e alguns deles sequer estavam preenchidos. 7. Juntada pela defesa de relação de produtores rurais supostamente beneficiados com os recursos sacados da conta vinculada ao convênio que não se prestar a provar tal fato, tendo em vista que os que foram ouvidos em juízo não confirmaram o recebimento dos valores ali consignados, tendo existido, ainda, contestações quanto às assinaturas postas na relação de beneficiários do programa. 8. Suficiência de provas da autoria e da materialidade delitiva. Dolo que resta caracterizado pelas circunstâncias do fato, apuradas durante a instrução processual penal. 9. Dosimetria. 10. Verbas públicas desviadas que serviriam à aquisição do que produzido por famílias de pequenos e mini produtores rurais, residentes em município encravado no semiárido nordestino, constituindo importante fonte de sustento dessas pessoas. Conduta que, ademais, prejudicou programas sociais mantidos pela própria prefeitura, destinados à suplementação alimentar e nutricional da parcela mais carente da população local. Consequências do delito que extrapolam a figura típica do desvio de recursos públicos e justificam a elevação da pena-base. 11. Acréscimo de seis meses à pena-base que se afigura tímido diante dos parâmetros mínimo e máximo estabelecidos no § 1º do art. 1º, do Decreto-lei 201/1967, onde prevista a pena abstrata de 2 (dois) a 12 (doze) anos de reclusão. Hipótese em que por um critério estritamente matemático, cada uma das oito circunstâncias judiciais teria o condão de elevar a pena em 1 (um) ano e 3 (três) meses, não havendo como se considerar excessiva a pena-base fixada na sentença. 12. O Superior Tribunal de Justiça consolidou a tese de que o crime de peculato, ao qual corresponde o delito tipificado no art. 1º, inciso I, do Decreto-lei 201/1967, consuma-se no momento em que apropriada ou desviada a verba pública e que a realização de novos atos importam em novas apropriações ou desvios, tipificando crimes autônomos, ainda que tenham se originado de um mesmo contrato administrativo ou convênio. Precedentes: STJ, REsp 1723969/PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 27/05/2019 e STJ, AgRg no AREsp 1341836/RN, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 12/12/2018. Entendimento também aplicado ao crime de responsabilidade previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-lei 201/1967: STJ, HC 204.956/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 03/10/2012. 13. Caso concreto em que o recorrente, por três vezes,  desviou recursos públicos repassados pela União ao Município de Nazarezinho/PB, através de saques de valores depositados em conta vinculada ao Convênio n.º 047/2008-SESAN, realizados na "boca do caixa", todos em semelhantes condições de tempo (10/12/2008, 26/12/2008 e 30/12/2008), lugar e maneira de execução, eis que efetivados mediante a apresentação de cheques nominais à tesouraria do município. 14. Conclusão de que justificada a majoração da pena-base de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, diante da aplicação da causa de aumento prevista no art. 71 do Código Penal, na fração de um quinto, donde resulta a pena definitiva de 3 (três) anos de reclusão. 15. Reconhecimento da existência de erro material na sentença, uma vez que ao aplicar a causa de aumento relativa à continuidade delitiva, estabeleceu-se a pena definitiva de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, quando o correto seria a reprimenda de 3 (três) anos de reclusão. Correção, de ofício, da pena definitiva fixada na sentença. 16. Nos termos do art. 44, § 2º, do Código Penal, substituição  da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, a serem definidas pelo juízo da execução. Manutenção das penas acessórias previstas no § 2º, do art. 1º, do Decreto-lei 201/1967. 17. Decretação, de ofício, da extinção da punibilidade do réu, quanto ao crime tipificado no art. 1º, inciso III, do Decreto-lei 201/1967, com prejuízo de seu apelo; correção, de ofício, de erro material constatado da dosagem da pena imposta pela prática do crime tipificado no art. 1º, inciso I, do Decreto-lei 201/1967; e conhecimento e provimento parcial da apelação, para substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.

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