PIMP – 236/CE – 0000096-72.2019.4.05.0000

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO -  

PENAL E PROCESSUAL PENAL. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CRIME DE RESPONSABILIDADE. NÃO PRESTAÇÃO DE CONTAS NO PRAZO DEVIDO (ARTIGO 1º, INCISO VII, DO DECRETO-LEI Nº 201/67). EXTEMPORÂNEA PRESTAÇÃO DE CONTAS MOTIVADA POR EVENTOS INDEPENDENTES DE AÇÕES DO ACUSADO. DELITO NÃO CONFIGURADO. PRELIMINAR DE INÉPCIA ACOLHIDA. DENÚNCIA NÃO RECEBIDA. 1. Cuida-se de denúncia em que o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF) acusa FRANCISCO EDSON DE MORAES, atual Prefeito do MUNICÍPIO DE IBARETAMA - CE, do cometimento do delito tipificado no artigo 1º, inciso VII, do Decreto-lei nº 201/67 (deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo). 2. Expondo sua tese, o MPF asseverou, em síntese, que: a) FRANCISCO EDSON, na condição de Prefeito do Município já referido, no período compreendido entre 2009 e 2012, teria descumprido o dever de prestação de contas relativamente ao Termo de Compromisso PAC 2 nº 01387/2011, firmado com o FUNDO NACIONAL DEDESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE) para a construção de 2 (duas) quadras poliesportivas em escolas públicas da Edilidade; b) a omissão supra teria ocorrido a despeito de sua cientificação da mora iniciada em 27.08.2018 e da prorrogação do lapso para a prestação de contas por mais 30 (trinta) dias; c) evidente, a partir das peças constantes dos autos, a inocorrência de prestação de contas, ter-se-ia consumado o delito, já que o crime em debate qualificar-se-ia como crime de mera conduta, independente de resultado naturalístico e de dolo específico, devendo, por conseguinte, ser recebida a denúncia e regularmente processada a persecução criminal. 3. Em 09.07.2019, proferiu-se despacho, notificando-se o denunciado para o oferecimento de defesa prévia. 4. Feita a citada notificação em 14.08.2019, não protocolizada a defesa e constatado equívoco no nome do denunciado, impuseram-se, no despacho à fl. 25, a retificação da autuação do feito e nova notificação do denunciado e do Procurador da Edilidade, o qual subscreveu a notificação antes realizada. 5. Transcorrido in albis o prazo para a defesa prévia, encaminhou-se o caso à DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (DPU), para a representação do denunciado. 6. Em defesa preliminar, a DPU, invocando as disposições do artigo 395, inciso I, do Código Processual Penal, pugnou pela pronta rejeição da denúncia por inépcia, já que: a) inexistente justa causa para a instauração de ação penal; b) supostamente insuficiente a descrição dos fatos imputados ao denunciado, a qual obstaria o pleno exercício da ampla defesa. 7. Ultrapassada a questão preambular, a DPU alegou que: a) não teria sido demonstrada a materialidade delitiva; b) sob pena de vedada responsabilização penal objetiva, a existência do dolo seria indispensável, salientando que não haveria indícios de tal elemento na conduta do denunciado; c) ausentes materialidade e dolo, a imediata absolvição do denunciado deveria ser declarada, caso rejeitada a prefacial de inépcia da denúncia. 8. Em petição encaminhada via e-mail às 20h26min no dia 27.02.2020, manifestou-se o investigado, colacionando documentação vasta e requerendo, apesar do transcurso in albis do prazo para resposta, a retirada do feito da pauta de 04.03.2020, o conhecimento de suas alegações, em atenção ao princípio da verdade real, e a eventual designação de audiência de instrução. 9. Expondo sua tese, a defesa do denunciado asseverou, em linhas gerais, que: a) em realidade, não teria incorrido no tipo penal previsto no artigo 1º, inciso VII, do Decreto-lei nº 201/67, já que, consoante entendimento jurisprudencial, seria essencial o dolo, elemento não identificável em sua conduta, uma vez que a prestação de contas em debate teria se dado de forma extemporânea por eventos que não lhe poderiam ser imputados (seu afastamento do cargo por decisão do Tribunal de Justiça do Ceará, assunção da gestão municipal pela vice-prefeita e não conclusão das obras em seu mandato, mas, sim, no de nova Prefeita, por exemplo); b) ausente o dolo e, em sua percepção, integralmente cumprido o Termo de Compromisso mencionado, sua conduta seria atípica, impondo-se a sua absolvição, nos termos do artigo 386, incisos III, V e VII, do Código Processual Penal. 10. Traçados os principais pontos do caso, rejeita-se o pedido de exclusão do feito da pauta, dada a plena possibilidade de pronta consideração das tardias alegações do denunciado, e se passa a analisar se o pleito de recebimento da denúncia merece acolhida, sendo necessário, porém, inicialmente, examinar a preambular suscitada pela DPU. 11. De fato, em consulta ao Sistema de Gestão de Prestação de Contas (SiGPC) do FNDE, acessível no link https://www.fnde.gov.br/sigpcadm/sistema.pu?operation=localizar, observa-se que a prestação de contas em debate não foi feita tempestivamente, como se depreende de recibo de envio gerado através do citado Sistema. 12. Do recibo citado, infere-se que o prazo para a prestação de contas em comento teria findado em 27.08.2018 e que, no entanto, o seu envio e registro na base de dados do FNDE apenas teria ocorrido em 27.08.2019, ou seja, um ano depois do marco final. 13. Ocorre, porém, que a demora na prestação de contas em debate teve por motivação eventos para os quais não concorreu o investigado (seu afastamento do cargo de Prefeito entre 12.07.2011 e 29.06.2012 por determinação da Justiça Estadual do Ceará nos autos da ação nº 0004665-37.2011.8.05.0000, pactuação do Termo de Compromisso cujas contas não foram prestadas no período de afastamento referido, realização do procedimento licitatório ainda no período de afastamento, hipotética paralisação das obras pela gestão seguinte à sua e retomada das obras apenas em nova gestão sua após o estabelecimento de ajuste junto ao FNDE, por exemplo), de modo que não se consumou o delito tipificado no artigo 1º, inciso VII, do Decreto-lei nº 201/67, impondo-se o acolhimento da prefacial da defesa, com a rejeição da denúncia, nos termos do artigo 395, III, do Código Processual Penal. 14. Denúncia rejeitada.

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