ACR – 14252/CE – 0006497-13.2014.4.05.8100

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO -  

PENAL E PROCESSUAL PENAL. QUADRILHA OU BANDO (ART. 288 DO CP, REDAÇÃO ORIGINAL). PRÁTICA REITERADA DO DELITO DE MOEDA FALSA (ART. 289 DO CP). LIAME SUBJETIVO. DOLO. COMPROVAÇÃO. ATIPICIDADE DAS CONDUTAS DOS RÉUS. INOCORRÊNCIA. IMPROVIMENTO. 1. Apelações interpostas por EMS, ALC e FGSS contra sentença que, julgando parcialmente procedentes os pedidos formulados na denúncia, condenou: 1) EMS à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, pela prática do crime previsto no art. 288 do CP, com redação anterior à Lei  nº. 12.850/2013; 2) ALC à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos, pela prática do crime previsto no art. 288 do CP, com redação anterior à Lei  nº. 12.850/2013; 3) FGSS à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, pela prática do crime previsto no art. 288 do CP, com redação anterior à Lei  nº. 12.850/2013. 2. De início, cumpre destacar que todos os réus ora apelantes já foram denunciados e condenados, em outros processos, pela prática do crime do art. 289 do CP (moeda falsa) (EMS - Proc. nº 0017907-73.2011.4.05.8100; ALC - Proc. nº 0017925-94.2011.4.05.8100; FGSS - Proc. nº 0017906-88.2011.4.05.8100), restringindo-se o objeto da presente Ação Penal à imputação do crime de formação de quadrilha ou bando (art. 288 do CP, em sua redação original). 3. Apelação de EMS. Em suas razões, o réu sustenta, em síntese, a atipicidade da conduta, sob a alegação de ausência de suporte probatório para a comprovação da existência de liame subjetivo entre os supostos agentes do crime. 4. Razão não assiste à defesa. Primeiramente, compulsando os autos, verifica-se que a materialidade e autoria delitivas restaram amplamente demonstradas, na medida em que todas as provas produzidas, tanto na fase investigativa (realizadas no bojo da "Operação Mustache"), quanto na judicial, confirmam o fato de que as notas falsas (no total de R$ 6.900,00) e outros materiais de fabrico de cédulas falsas, apreendidos nos domicílios do réu EMS e da sua companheira, MCC (Autos de Apreensão às fls. 116/125 e Laudo de Perícia Criminal às fls. 296/329 do IPL nº 1.090/2011-SR/DPF/CE), serviam ao fornecimento de uma ampla rede de distribuição das moedas adulteradas, com ligações em grupos da torcida organizada "Cearamor". 5. De acordo com o caderno investigativo, o réu e sua companheira fabricavam cédulas falsas e repassavam-nas aos compradores imediatos, ALC (apelante), CAP ("Bigode") e HNI (fl. 25 do Relatório de Inteligência nº 001/2011). Os dois primeiros, por sua vez, comercializavam tais cédulas junto a terceiros adquirentes (dentre eles o ora apelante FGSS, vulto "Neném", CMP, vulgo "Pezão", e EJS), os quais também repassavam as cédulas a outras pessoas, formando uma verdadeira cadeia escalonada de distribuição (Relatório de Inteligência nº 001/2011 e o Auto Circunstanciado nº 003/2011, fls. 109/192 dos autos apensos). Além disso, em seu o interrogatório na fase investigativa, o próprio réu afirmou que CAP ("Bigode") "comprava cédulas do interrogado uma vez por semana"; que ALC "também comprava cédulas falsas (...) em média uma vez por semana"; que "as únicas pessoas que sabiam desse 'trabalho' do interrogado eram seus compradores CAP e ALC" (fls. 100/102 do IPL). 7. Relativamente ao elemento subjetivo do tipo, consoante ensinamento doutrinário, o delito de quadrilha ou bando exige o dolo específico, "representado pela vontade consciente de associar-se a outras pessoas com a finalidade de praticar crimes, criando um vínculo associativo entre os participantes. Exige-se o elemento subjetivo especial do tipo, caracterizando especial fim de cometer crimes" (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. Ed. 7. p. 1.102). Nessa perspectiva, o dolo, caracterizado pela consciência e vontade de se associar, com a finalidade de praticar crimes, também restou comprovado nos autos. Destaque-se, a esse respeito, que não se sustenta o argumento de que o liame subjetivo não estaria caracterizado, pelo simples fato de todos os agentes não se conhecerem reciprocamente. Embora, em seu interrogatório, o réu tenha afirmado que apenas "Bigode" e ALC (apelante) conheciam a sua atividade ilícita, ressalta-se que o tipo penal em tela não exige, para a sua caracterização, que cada integrante da quadrilha tenha conhecimento da atuação de todos os demais, mas, apenas, que estejam conscientes de que faziam parte de uma associação de pessoas voltada à prática delitiva. Desse modo, para que se verifique o elemento subjetivo do tipo, exigese tão somente o animus associativo destinado à prática de crimes, apto a violar o bem jurídico protegido pela norma penal incriminadora (paz pública). Precedentes deste TRF5: ACR 8746, Rel. Des. Federal Manoel Erhardt, TRF5 - Primeira Turma, DJE: 21/08/2014; ACR 9346, Rel. Des. Federal Margarida Cantarelli, TRF5 - Quarta Turma, DJE: 08/08/2013. 8. A tese de que o réu EMS, principal agente da contrafação da moeda nacional, não tinha conhecimento da rede de distribuição das notas falsas, mostra-se absolutamente inverossímil. Pelo contrário, as provas coligidas evidenciam que ele tinha consciência de que as cédulas por ele fabricadas eram destinadas a uma rede de "atravessadores", os quais agiam conjuntamente a ele, em união de desígnios, repassando-as para terceiros (mesmo que o réu não os conhecesse pessoalmente), consoante se verifica em trecho de conversa telefônica, interceptada com autorização judicial (fls. 13/20 do Processo nº 0013031-75.2011.4.05.8100), presente no Auto Circunstanciado nº 002/2011 (fls. 81/89 do IPL). 9. Por outro lado, também restou comprovado que os "atravessadores" ligados ao réu também se conheciam uns aos outros, chegando a acertar entre eles a distribuição das cédulas, o que confirma a hipótese de que o réu não agia de modo solitário, mas integrava o grupo voltado à prática de diversas condutas criminosas (fl. 177 do IPL). Portanto, não merece acolhida o argumento de inexistência de liame subjetivo entre o acusado EMS e os demais membros da quadrilha, devendo-se reconhecer a existência de uma associação estável, de mais de três pessoas, com papéis definidos, voltada para o cometimento reiterado de crimes, mantendo-se a condenação em todos os seus termos. 10. Apelação de ALC. Na mesma senda, o acusado ALC sustentou em seu apelo a atipicidade da conduta, alegando a ausência de suporte probatório quanto à existência de liame subjetivo para a configuração do crime de quadrilha ou bando. 11. Estão presentes, também quanto a ele, elementos suficientes para a condenação. Inicialmente, destaque-se que a autoria e a materialidade delitivas restaram devidamente comprovadas, conforme se depreende de busca e apreensão efetivadas no endereço do réu, onde foram recolhidas, dentre outros objetos, 134 (cento e trinta e quatro) cédulas de R$ 50,00 (cinquenta reais) (fl. 140 do IPL), 2 (duas) das quais comprovadamente falsas (Laudo de Perícia Criminal nº 1151/2011, fls. 260/271 do IPL), adquiridas diretamente do réu EMS, bem como o fato de que tais cédulas serviam para o repasse a terceiros a eles associados, de modo a garantir a distribuição das notas e a obtenção de lucro. Em seu interrogatório perante a autoridade policial (fls. 144/147 do IPL), o réu declarou que conheceu EMS por intermédio de "uma outra pessoa que não sabe declinar o nome", conhecida numa partida de futebol do time do Ceará, passando, então, a acertar a entrega de dinheiro falso, por telefone, com o corréu. Na mesma linha, no segundo depoimento durante a fase inquisitiva, o réu afirmou que repassava as cédulas recebidas de EDMÍLSON "para as pessoas de EDVALDO, reconhecido neste ato através de fotografia que lhe é mostrada, MARCÍLIO, que ora o reconhece através de fotografia que neste ato lhe é apresentada, GLAUBER, o qual lhe disse ser morador do bairro Presidente Kennedy" (fls. 213/216 do IPL), funcionando, portanto, como "atravessador" das notas na associação criminosa. 12. Quanto ao elemento subjetivo (dolo), consoante exposto anteriormente, configura-se pelo animus associativo, ou seja, pela vontade consciente de associar-se a outras pessoas com a finalidade de praticar crimes. Nessa perspectiva, o dolo do agente também restou caracterizado, conforme se depreende de trecho de conversa interceptada (prova não repetível, nos termos do art. 155 do CPP), em que fica evidente que o acusado conhecia as outras pessoas integrantes da associação criminosa, bem como a existência de uma rede escalonada de distribuição de cédulas (fls. 167/168 do Relatório de Inteligência nº 001/2011 e Auto Circunstanciado nº 003/2011). Nesse diálogo, fica evidente que ambos os acusados tramam juntos o fornecimento de notas falsas para um terceiro (... "to só esperando ele, ele.... também tem pressa o cara"), empenhados que estavam, em conjunto, na distribuição da moeda falsa. Inafastável, portanto, a conclusão, adotada pelo douto magistrado a quo, de que o réu participou, de forma livre e consciente, da associação criminosa. 13. Apelação de FGSS. Na mesma linha dos fundamentos anteriormente expostos, tenho comigo que não merece guarida a irresignação da defesa de FGSS ("Neném"), tendo em vista que os elementos probatórios contidos nos autos são suficientes para comprovar a sua participação consciente na quadrilha. 14. A materialidade e a autoria do crime restaram demonstradas, tendo em vista que as 38 (trinta e oito) cédulas apreendidas no endereço do acusado, por meio do mandado de busca e apreensão cumprido pela PF (Auto de Apreensão de fls. 177/178), eram falsificadas e destinadas a uma ampla rede de distribuição de notas falsas, da qual o acusado fazia parte (cf. Laudo Documentoscópico de fls. 348/371 do IPL). Segundo as investigações, a atuação do réu consistia em negociar diretamente com CAP ("Bigode") a compra de cédulas falsificadas, repassando-as para terceiros interessados, na qualidade de "atravessador", com a nítida finalidade de obtenção de lucro (cf. Relatório de Inteligência nº 001/2011 e Auto Circunstanciado nº. 001/2011 - fl. 131). 15. A esse respeito, constam vários trechos das conversas telefônicas interceptadas (prova não repetível, nos termos do art. 155 do CPP), presentes no Relatório de Inteligência nº 001/2011 e Auto Circunstanciado nº. 001/2011 (fls. 109/192), em que o réu ("Neném") negocia abertamente a aquisição de cédulas falsificadas junto a "Bigode" e a revenda a vários outros membros da quadrilha (fls. 178/181 do Relatório de Inteligência). 16. Conforme já exposto exaustivamente na apreciação dos recursos anteriores, o elemento subjetivo (dolo) do delito imputado configura-se apenas pelo animus associativo, sendo despiciendo que o acusado conheça todos os demais integrantes da quadrilha e suas respectivas atuações, e vice-versa. Portanto, além de razoavelmente inverossímil, é irrelevante o fato de os outros réus terem afirmado em juízo (com exceção de "Bigode") que não conheciam FGSS, porque ficou comprovada a posição-chave deste último no organograma da organização, cuja atuação permitia maior capilaridade na distribuição das cédulas. Também quanto a ele, resta evidente a existência do liame subjetivo com os demais acusados para prática reiterada do delito tipificado no art. 289 do CP, na medida em que o réu conhecia vários membros da quadrilha, participando ativamente do esquema de distribuição de moedas falsas. 17. Apelações improvidas.

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