ACR – 14291/PB – 0001395-95.2014.4.05.8201

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO -  

PENAL E PROCESSUAL PENAL. FRAUDE À LICITAÇÃO (ART. 96, II E III, DA LEI Nº 8.666/93). MODALIDADE TENTADA (Art. 14, II, DO CP). INTIMAÇÃO POR EDITAL DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. DESNECESSIDADE. PREGÃO ELETRÔNICO. CARTUCHOS DE TINTA FALSIFICADOS. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. DOLO. COMPROVAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. ALEGAÇÃO PREJUDICADA. DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. MANUTENÇÃO. CAUSA DE DIMINUIÇÃO. TENTATIVA (ART. 14, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP). PATAMAR MÍNIMO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. 01. Apelação interposta pelo réu contra sentença que, julgando procedente o pedido formulado na denúncia, condenouo à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção, em regime aberto, substituída por duas sanções restritivas de direitos, pela prática do crime previsto no art. 96, incisos II e IV, da Lei nº 8.666/93 c/c art. 14, II, do CP. 02. De início, não merece acolhida o pleito, defendido no parecer ministerial, de intimação do réu, por edital, da sentença condenatória, porque as duas turmas com competência criminal do STJ, superando o entendimento anteriormente esposado por aquela Corte Superior, passaram a considerar suficiente a intimação da sentença através do defensor regularmente constituído, via imprensa oficial, quando se tratar de réu solto (STJ - AgRg no RHC nº 40.667SP - Rel. Min. Regina Helena Costa, Quinta Turma - Unânime - Julgado em: 26/08/2014; STJ - AgRg no HC nº 270.287-RJ - Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma - Unânime - Julgado em 24/04/2014). No caso dos autos, a regular intimação da DPU, com posterior interposição de recurso pela defesa, foi suficiente para garantir a observância do direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88), não havendo que se falar em nulidade nesse ponto. 03. Embora não tenha sido objeto específico de impugnação (tratando-se, portanto, de matéria incontroversa), a materialidade e autoria delitivas restaram devidamente comprovadas nos autos. Consta dos autos que o Edital do Pregão Eletrônico nº 01/2010, da Delegacia da Receita Federal em Campina Grande/PB (fls. 07/32 do IPL), exigia a entrega de cartuchos "novos e originais de fábrica, de boa qualidade", excluindo-se, portanto, os "oriundos de recarga, recondicionamento, remanufatura, reciclagem ou fabricado por qualquer processo semelhante" (Termo de Referência, fl. 24 do IPL). Por sua vez, o Item 2 do Anexo Único do Termo de Referência do Pregão, do qual a empresa "Soares Comércio e Serviços em Artigos de Informática LTDA" (CNPJ 08.674.192/001-34) sagrou-se vencedora, previa a entrega de 50 unidades de cartuchos de impressora HP, Modelo DeskJet F4180, Multifuncional, tinta preta, de 20 ml, modelo HP 54-CB334AL, originais de fábrica (fl. 30 do IPL). Após algum atraso, o acusado remeteu à DRF, em setembro de 2010, 60 (sessenta) cartuchos modelo HP CB334AL, os quais não foram aceitos pela Comissão de Recebimento do Pregão 01/2010, porque não atendiam às especificações do Edital, mormente quanto ao volume de tinta constante nas unidades, que continham apenas 5 ml (cinco mililitros) de tinta cada (cf. Relatório às fls. 125/127 do IPL). Informado pela Receita de que os produtos fornecidos eram inidôneos, o acusado fez segunda remessa, em janeiro de 2011, ocasião na qual se verificou que "alguns selos de originalidade estavam diferentes do que é recomendado no site da HP" (fl. 133 do IPL). Diante desses fatos, a Comissão de Recebimento daquela DRF requisitou informações à empresa fabricante do produto, remetendo-lhe exemplares dos cartuchos fornecidos, obtendo, por fim, a confirmação de que os exemplares enviados não eram originais (fl. 132 do IPL). 04. Já na fase do Inquérito Policial, a inautenticidade dos cartuchos foi confirmada por laudo merceológico realizado pela Polícia Federal, o qual demonstrou que todos os 117 (cento e dezessete) cartuchos fornecidos pelo réu à DRF/Campina Grande não eram originais, sendo que alguns apresentavam o mesmo número de série em todas as unidades e outros estavam desprovidos de selos ou etiquetas de controle (fls. 49/55 do IPL). No intuito de averiguar possível responsabilidade criminal dos administradores da empresa vencedora do certame, a PF colheu os depoimentos do irmão do réu, o Sr. Rodrigues (fls. 74/75 do IPL), e da Sra. Eliane (fls. 75/79 do IPL), titulares de direito da pessoa jurídica "Soares Comércio e Serviços em Artigos de Informática LTDA", concluindo que o acusado ESM, ora recorrente, era o verdadeiro dono e administrador de fato da empresa, o que ele próprio admitiu, afirmando não havê-la registrado em seu nome porque, na qualidade de funcionário público do Estado da Paraíba, ser-lhe-ia vedada a atividade empresarial (fls. 83/84 do IPL). 05. Portanto, resta evidente que os produtos fornecidos à DRF de Campina Grande/PB pela empresa "Soares Comércio e Serviços em Artigos de Informática LTDA" eram falsos, não atendendo às especificações do Edital do Pregão Eletrônico nº 01/2010, sendo incontroverso, também, que o acusado era o seu administrador de fato, responsável direto pela remessa dos produtos falsificados à Receita. Inquestionáveis, portanto, a materialidade e a autoria delitivas no presente caso. 06. O cerne da controvérsia recursal reside na alegada ausência de comprovação do dolo na conduta do agente. Em suas razões, sustenta a defesa que o elemento subjetivo do tipo não restou demonstrado nos autos, porque o acusado não teria consciência de que os produtos, adquiridos por ele através da rede mundial de computadores, não eram originais de fábrica. Todavia, a comprovação do dolo se extrai das provas coligidas aos autos e do contexto da prática delitiva, por não ser razoável que o réu, na qualidade de gestor de empresa de produtos de informática, atuante nesse ramo desde o ano de 2008, não tivesse capacidade técnica para averiguar a autenticidade dos produtos que forneceu à Receita Federal, onde tal vício foi objeto de suspeitas dos servidores daquela repartição, que também não possuíam qualquer formação específica na área de tecnologia, através de simples conferência dos selos de autenticidade. Nesse sentido, andou bem o magistrado a quo ao afirmar que "a mínima prudência de um comerciante recomenda que - ao contratar com fornecedor desconhecido pela internet, principalmente quando o critério de compra tenha sido apenas o menor preço - se devem analisar os produtos recebidos, a fim de constatar se correspondem àqueles comprados" (fl. 243). 07. Além disso, o modus operandi e a reiteração delitiva convergem para a demonstração do dolo na conduta do réu porque, mesmo que o acusado não tivesse consciência, num primeiro momento, de que os produtos eram falsos (o que é hipótese bastante improvável, como já demonstrado), foi-lhe dada uma segunda chance para observar o erro e sanar os equívocos apontados pela Receita, ocasião na qual preferiu recalcitrar, optando por fornecer ainda mais produtos inautênticos à DRF. Destarte, não se mostra razoável a tese de que o acusado não repassou, de modo consciente e voluntário, os cartuchos falsificados à Administração Pública, sendo evidente, portanto, a presença do elemento subjetivo do tipo no caso, restando prejudicada a alegação da má distribuição do ônus da prova nesse ponto. 08. Dosimetria. Na primeira fase, o douto magistrado a quo fixou a pena base em 03 (três) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de detenção, reputando desfavorável apenas a circunstância judicial da culpabilidade. Da análise dos autos, verifica-se que a fundamentação apresentada pelo juízo sentenciante, para exasperar, em pequena monta, a pena base, é perfeitamente idônea, considerando que o réu, em duas oportunidades, foi chamado a agir em conformidade com o Direito, optando, livremente, por tentar consumar o delito. Portanto, não merece reparo a sentença nesse ponto. 09. Em relação à terceira fase da dosimetria, sustenta o apelante a aplicação da causa de diminuição do crime tentado (art. 14, II, do CP) no patamar máximo ou, ao menos, no mínimo legal. 10. Conforme jurisprudência pacífica do STJ, o quantum da causa de diminuição referente ao crime tentado (art. 14, Parágrafo Único, do CP) deve ser inversamente proporcional ao progresso na execução do crime, de tal modo que, quanto maior for o iter criminis percorrido pelo réu, menor é a diminuição da pena a ser aplicada (HC 406.773/AC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 21/09/2017, DJe 27/09/2017). No caso em exame, verifica-se que o réu usou de todos os meios à sua disposição para obtenção do resultado criminoso, enviando, por duas vezes, cartuchos de tinta falsificados, com o intuito de ludibriar os agentes públicos e obter vantagem ilícita em detrimento da Administração, não se consumado o delito, com efetivo dano ao Erário, por circunstâncias alheias à sua vontade, graças à diligência da Comissão de Recebimento daquela unidade da Receita Federal. Destarte, não merece reparo a fixação do quantum da causa de diminuição no patamar mínimo. 11. Todavia, razão assiste à defesa e ao parecer ministerial quanto à ocorrência de erro material nessa fase da dosimetria da pena. Compulsando os autos, verifica-se que a decisão vergastada reduziu a pena à razão de 1/6 (um sexto), em contrariedade a disposição expressa do Código Penal, o qual prevê, em seu art. 14, Parágrafo Único: "salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços". Desse modo, conquanto seja razoável, pelas razões já elencadas, a manutenção da causa de diminuição no patamar mínimo, a pena privativa de liberdade deve ser reduzida, ao menos, em 1/3 (um terço), em obediência ao princípio da legalidade, tornando-se definitiva em 2 (dois) anos e 3 (três) meses de detenção. Quanto ao cumprimento de pena e à substituição por sanções restritivas de direito, devem-se manter os critérios fixados na sentença. 13. Apelação parcialmente provida, apenas para aplicar a causa de diminuição relativa ao crime tentado (art. 14, Parágrafo Único, do CP) no mínimo legal de 1/3 (um terço), tornando definitiva a pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de detenção.

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