ACR – 14514/PE – 0007349-82.2015.4.05.8300

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA -  

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADOS. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. REFORMA. DIMINUIÇÃO DA PENA BASE. CRIME OCORRIDO ANTES DA LEI 12.234/2010. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. RECONHECIMENTO. HABEAS CORPUS EX OFFICIO. 1. Trata-se de apelação interposta contra sentença (datada de 16 de setembro de 2016), que julgou procedente em parte a ação penal e condenou o apelante à pena de 03 anos e 06 meses de reclusão e multa de 200 salários mínimos, pela prática do crime previsto no art. 1º, I da Lei 8.137/90 c/c art. 71 do Código Penal, com direito à substituição por penas restritivas de direito. 2. Apelação do réu aduzindo, em síntese, que a sentença merece ser reformada vez que só figurou como sócio da empresa Inteligência Informática e quando permaneceu na administração da empresa ajudando seus filhos até final de 2003, antes, portanto, do período de supressão das contribuições previdenciárias, que foi de janeiro a dezembro de 2004, conforme documentos e testemunhas. Argumenta, ainda, que a pena base foi exacerbada indevidamente, com argumentos imprestáveis, confundindo circunstâncias judiciais com circunstâncias do próprio crime, possuindo boa conduta social, personalidade equilibrada, não havendo qualquer circunstância desfavorável, bem como inexistindo continuidade delitiva. 3. Parecer do Ministério Público, dispensando-se contrarrazões, aduzindo o Parquet, em síntese, que o lançamento definitivo do crédito oriundo da ausência de informações nas GFIPS das remunerações pagas aos segurados empregados de janeiro a dezembro de 2004, da empresa INTELIGÊNCIA INFORMÁTICA LTDA, encontra-se inscrito na dívida ativa e decorre da constatação oficial do fato, sendo que a autoria recai na pessoa do apelante pela constatação de que o mesmo, apesar de sair formalmente do contrato social de referida empresa, continuou, conforme relatos uníssonos das testemunhas, a ser o verdadeiro dono e administrador da empresa, exercendo e sendo o responsável pela administração da mesma no período de não recolhimento. Entende o Parquet que a sentença apelada deve ser reformada apenas quanto à dosimetria da pena, por entender que a culpabilidade foi avaliada negativamente mas se baseou em circunstância inerente ao crime cometido, bem como a conduta social deve ser tida como neutra, vez que não se pode usar a informação de que o apelado responde a outras ações criminais negativamente, também devendo a pena ser reduzida por ter a sentença valorado negativamente a personalidade do apelado pelo mesmo argumento de responder a outras ações penais. 4. Quanto à materialidade do crime, não resta qualquer dúvida que, conforme representação fiscal para fins penais nº 10480.72185/2009-34 (fls. 14/16 e mídia fls. 17 do IPL nº 0228/2011) e auto de Infração DEBCAB nº 37.224.027-5 (mídia fls. 17 do IPL), a empresa INTELIGÊNCIA INFORMÁTICA LTDA deixou de informar nas GFIPS as remunerações pagas aos segurados empregados, no período de janeiro a dezembro de 2004, tendo dito crédito sido inscrito em dívida ativa, contando, inclusive, com execução fiscal já ajuizada, com valor de mais de R$ 168.185,00. 5. Assim, o prejuízo financeiro aos cofres públicos foi devidamente constatado por atuação do Fisco Federal, em processo orientado nos estritos cânones do devido processo legal e da ampla defesa, e de acordo, ainda, com o disposto na Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal. 6. Quanto à autoria, deve-se consignar que na apelação criminal nº ACR 13118/PE, referente à ação criminal nº 0004165-55.2014.4.05.8300, este Tribunal Regional Federal reconheceu que o apelante como sendo o pessoalmente responsável pela administração da empresa, mesmo após sua retirada formal do estatuto social da mesma. 7. A par disso, ainda mais irretocável o tópico sobre a autoria desenvolvido na sentença que aclara tal fato, tendo o ilustre magistrado a quo examinado e valorado, de maneira minudente e cuidadosa, os depoimentos prestados no curso da ação e que confirmam que a autoria repousa na pessoa do apelante. 8. No que pese o esforço e brilho das argumentações do ilustre defensor, o que na verdade se constata é, permissa vênia, uma análise um tanto confusa,  pontual e seletiva dos depoimentos das testemunhas, ora desclassificando algumas, ora lançando suspeição sobre outras, ao pinçar partes das falas e interpretá-las com certa tendenciosidade, tudo na tentativa frustrada de eximir o apelante da responsabilidade que exclusivamente lhe cabe, apontando outras pessoas, mormente os que contavam formalmente como sócios (Joaquim José Fernandes da Costa Júnior e Rodrigo Braga Reynaldo), como os responsáveis pelos fatos. 9. Assim, os depoimentos são pacíficos no sentido que o apelante, livre e conscientemente, praticou a conduta de omitir das autoridades fazendárias de informações nas GFIPS das contribuições sociais devidas a outra entidades e fundos ( Salário educação, INCRA, SENAC, SESC E SEBRAE) por meio de omissão nas Guias de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social, de remunerações pagas a segurados empregados ( declaradas na RAIS) referentes ao período de janeiro a dezembro de 2004, da empresa INTELIGÊNCIA INFORMÁTICA LTDA. 10. Autoria, pois, constatada. 11. No entanto, melhor sorte lhe socorre quanto à dosimetria da pena. 12. Assim ocorre porque das oito circunstâncias judiciais a que alude o art. 59 do Código Penal, o juiz sentenciante considerou seis em desfavor do apelante, quais sejam culpabilidade, conduta social, personalidade, circunstâncias, consequências e comportamento da vítima, merecendo reforma apenas em quatro delas. 13. Quanto à culpabilidade, avaliada negativamente sob o argumento de que " o réu durante o ano de 2004, de forma voluntária e consciente, suprimiu o pagamento das contribuições sociais desviadas a outras entidades e fundos (...), há que se ponderar que tal fundamentação se baseia em circunstância inerente ao próprio crime cometido. Assim, por levar em conta a própria estrutura do comando da norma incriminadora (elemento constitutivo do tipo), não pode ser valorado em desfavor do réu. 14. Também foi levado em conta negativamente a conduta social em razão de ações penais em tramitação, o que contraria a Súmula 444 do STJ ( É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena base). 15. Quanto à personalidade do acusado, a valoração negativa está fundamentada na reiteração criminosa com base em outros processos em curso, o que também faz incidir a Súmula 444 do STJ. 16. Outrossim, as consequências do delito fazem parte do próprio tipo penal, sendo essencial à figura do ilícito, não se podendo considerar negativamente em desfavor do acusado. 17. Assim, tais considerações nos permitem fixar a pena no mínimo de dois anos de reclusão, mantida no mesmo patamar, na segunda fase da dosimetria, eis que ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes. 18. Prosseguindo na terceira fase da dosimetria da pena, observa-se presente a causa de aumento da continuidade delitiva, por pelo menos doze condutas, pelo que deve ser aumentada a pena corporal de 1/6, de acordo com a própria sentença ( quatro meses), não havendo causas de diminuição da pena, culminando com uma pena definitiva de dois anos e quatro meses de reclusão em regime aberto, substituída a pena corporal por duas restritivas de direito, a cargo do juízo da execução, a teor do art 33 § 2º, combinado com o art. 44, do diploma repressivo. 19. Em consequência, mantendo a proporcionalidade, reduz-se a pena de multa para 150 salários mínimos, nos termos do art.49 §§ 1º e 2º do Código Penal. 20. Entre a consumação do crime com a constituição definitiva do tributo em 29/09/2009 (fls. 12) e o dia do recebimento da denúncia (15 de setembro de 2015) transcorreram-se cerca de seis anos, tempo superior ao exigido pelo art. 109, V do Código Penal, para que a pretensão punitiva estatal possa ser extinta pela prescrição, considerando a pena reduzida para dois anos, desprezado o acréscimo da continuidade delitiva, para fins de contagem prescricional, ex vi da Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal ( Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscrimo decorrente da continuação), recordando-se que o fato ocorreu anteriormente à modificação dada ao § 1º do art. 110 do Código Penal pela Lei 12.234, de 2010, ou seja, no caso específico, pode-se utilizar o termo inicial da prescrição, data anterior à da denúncia. 21. Com efeito, resta prescrita a pena de multa aplicada cumulativamente com a pena corporal, nos termos do art. 114, II do Código Penal. 22. Apelação parcialmente provida. Declarada, de ofício, a extinção da punibilidade, mediante o reconhecimento da prescrição retroativa.

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