ACR – 15498/CE – 2006.81.00.008119-8

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI -  

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. ART. 334, § 1º, ALÍNEA "C", DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVADAS. ACUSADO FORAGIDO. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. DOSIMETRIA DA PENAL. EXASPERAÇÃO NA FASE DA ANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ART. 59, DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO DA PENA AO MÍNIMO LEGAL. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. OCORRÊNCIA. 1. Cuida-se de apelação criminal interposta por DILSON DE JESUS, a desafiar sentença que, julgou procedente a denúncia, condenando o acusado nas tenazes do art. 334, § 1º, alínea "c", do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos, 06 (seis) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime semiaberto. 2. A sentença decretou a prisão preventiva do acusado, com base nos arts. 312 e 313, do Código de Processo Penal, diante da prova da existência do crime, para garantia da aplicação da pena e da ordem pública, em razão ter se furtado ao chamamento judicial, tendo fixado o valor mínimo de reparação ex delicto, a quantia atualizada corr 3. De acordo com os autos: (...) no dia 11/01/2006, em abordagem feita no posto da Polícia Rodoviária Federal localizado no Km 54 da BR-116, no Município de Aracati/CE, policiais rodoviários federais teriam encontrado no maleiro do ônibus Scania/K 113 CL, Placa KHL 1249/PR, vindo do Estado de Pernambuco com destino à Fortaleza/CE, mercadoria1 etiquetada em nome do réu DILSON DE JESUS, que, juntamente com o réu NICODEMUS SEVERINO DA PAIXÃO, era passageiro daquele ônibus. Afirmou que, salvo as sombrinhas (fl. 73), a mercadoria aludida estaria desacompanhada de nota fiscal, razão pela qual foi apreendida e encaminhados os réus à Polícia Civil para prestarem esclarecimentos, quando o denunciado DILSON DE JESUS disse à Autoridade Policial que a mercadoria apreendida pertenceria a um chinês de nome WU JUNYU, alcunha "JAÚ", possuidor de um comércio na Rua Direita, nº 188, Bairro São José, Recife/PE, ao passo que o destinatário da mercadoria seria outro comerciante chinês de alcunha "UENDI", cuja loja seria localizada em Fortaleza/CE. Por outro lado, o réu NICODEMUS SEVERINO DA PAIXÃO teria dito trabalhar organizando grupos de "sacoleiros" para fazerem compras em Fortaleza, Caruaru e Sergipe, confirmando, outrossim, pertencer a mercadoria apreendida a "JAÚ", tendo por destinatário "UENDI". Afirmou também o Parquet ter sido elaborado Laudo Merceológico avaliando a mercadoria em R$ 30.587,00 (trinta mil, quinhentos e oitenta e sete reais) (fls. 46/49). À fl. 09, consta informação de que a mercadoria foi remetida para 3ª Região Fiscal da Receita Federal, fls. 4. Em suas razões recursais DILSON DE JESUS, representado por advogada dativa, requer, preliminarmente, a revogação do decreto de segregação preventiva, entendendo-o exorbitante, diante da ausência de gravidade do delito, não demonstrando a periculosidade do acusado ou quaisquer dos requisitos do art. 312, do Código de Processo Penal, a autorizar a medida. No mérito requereu a substituição da pena corporal por penas restritivas de direito, fls. 776/779. 5. Compulsando os autos, verifica-se o acerto do édito condenatório, que, à luz dos elementos coligidos, reconheceu a ocorrência do crime imputado, entendendo que o acusado, livre e conscientemente manteve em depósito e/ou utilizou em proveito próprio para fins comerciais, mercadoria de procedência estrangeira que sabia ser produto de introdução clandestina no território nacional, tudo demonstrado nos autos, através de laudo merceológico integrante do Processo Administrativo Fiscal nº 11131.000936/2006-65. 6. Entretanto, a sentença merece reforma quanto à dosimetria, eis que exacerbada, pois, no momento da análise das circunstâncias judiciais, art. 59, do Código Penal, a pena-base aplicada foi demasiadamente agravada, devendo ser minorada, para adequar-se aos parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade. 7. A análise das circunstâncias judiciais levou em consideração quatro circunstâncias desfavoráveis (culpabilidade, conduta social, personalidade e motivos) para infligir uma pena-base de em 03 (três) anos de reclusão, considerando a pena em abstrato, prevista na norma incriminadora, a variar entre 01 (um) e 4 (quatro) anos de reclusão: Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) 8. A sentença, no tópico inicial da dosimetria da pena, recrudesceu a avaliação da culpabilidade em desfavor do acusado levando em conta a própria estrutura do comando da norma incriminadora: (...) Atentando às circunstâncias judiciais referidas pelo art. 59 do Código Penal, tenho que a culpabilidade do réu é média em razão do valor que deixou de ser recolhido a título de tributos quando da introdução da mercadoria em questão no território nacional (...), fl. 749. 9. Ora, a supressão de tributos mercê da introdução clandestina de mercadoria estrangeira em território nacional é o verbo que compõe a estrutura do tipo, exatamente, o comportamento injusto que tem como consequência a sanção penal, circunstância intrínseca e inerente à própria conduta praticada, não podem ser sopesada novamente em desfavor do réu. Precedente do STJ: HC 335512/SP, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, julgado em 17 de maio de 2016, publicado no DJe em 25 de maio de 2016. 10. Para valorar negativamente a conduta social e a personalidade do acusado a sentença se fia no fato de este faz deste tipo de ilícito o seu modo de vida, no que se refere à conduta social e à personalidade do réu, verifico que este sobrevive da prática de crimes, pois, conforme confessou, tem como profissão o comércio de mercadorias descaminhadas, fl. 749, tomando tais circunstâncias com um panorama de sua vida pregressa com se fossem atestados de antecedentes criminais. 11. Neste sentido a doutrina: lembremos que conduta social não é mais sinônimo de antecedentes criminais. Deve-se observar como se comporta o réu em sociedade, ausente qualquer figura típica incriminadora (NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal - Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 856). 12. A conduta social deve ser entendida como o papel do acusado na sociedade inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança, etc., entretanto, tais elementos não vieram à tona no decorrer da instrução processual. 13. O capítulo da circunstância judicial conduta social, jamais poderia valorar negativamente este aspecto, na simples informação de que o acusado tenha praticado outras semelhantes ações criminosas. 14. A mesma razão usada na análise da circunstância judicial conduta social, serve para afastar a valoração negativa utilizada na dosimetria da pena, quanto à personalidade do agente. 15. Com efeito, a simples notícia, confessada pelo acusado, de que já tenha praticado o crime em momento anterior ou mesmo a existência de inquéritos e ações em andamento, não são meios suficientes para atestar a personalidade do réu. Na instrução processual, os depoimentos das testemunhas do processo nada revelaram que possa agravar a situação penal do acusado em razão de valoração de sua personalidade. Precedente do TRF5: PJE-ACR00000204820174058106, Rel. Des. Fed. Leonardo Augusto Nunes Coutinho (Convocado). 16. Os motivos apontados na sentença: os motivos do crime são reprováveis, já que, ao cometer a infração, o réu era movido pela busca de maior lucro no exercício do comércio, fl. 749, entretanto, não autorizam a elevação da pena-base, eis que na prática do tipo descaminho subjaz a majoração de lucro pelo não recolhimento de tributos. 17. Neste sentido, não se apresentam circunstâncias judiciais valoradas negativamente, o que autoriza a fixação da pena no mínimo legal, ou seja, 01 (um) ano de reclusão. 18. Na segunda fase, a despeito de reconhecida a atenuante da confissão espontânea, art. 65, inc. III, alínea "d", do Código Penal, esta não pode ser aplicada em razão de a redução não poder ir aquém do mínimo legal previsto, ausentes, outrossim, causas de aumento ou de diminuição da pena. Torna-se definitiva a pena de 01 (um) ano de reclusão em regime aberto. 19. Entre a consumação do crime em 11 de janeiro de 2006, f. 03, e o dia do recebimento da vestibular acusatória, 10 de janeiro de 2011, fl. 195, transcorreram-se quase 05 (cinco), tempo superior ao exigido pelo art. 109, inc. V, do Código Penal [04 (quatro) anos], para que a pretensão punitiva estatal possa ser extinta pela prescrição retroativa, considerando o trânsito em julgado do recurso da acusação. 20. Fenecem os motivos para manutenção da ordem de prisão preventiva em desfavor do acusado. 21.Parcial provimento à Apelação e concessão de Habeas Corpus de ofício para declarar extinta a punibilidade, pela incidência da prescrição retroativa.

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