Habeas Corpus Nº 2007.04.00.031105-0/prHabeas Corpus Nº 2007.04.00.031105-0/pr

Interrogatório. Natureza jurídica. Meio de prova e ato de defesa. Refazimento do ato. Necessidade.

Rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz

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Interrogatório realizado sem a participação da defesa técnica dos demais acusados. Denúncia única. Processo cindido. Não há se cogitar de feitos distintos. As declarações de um acusado podem influenciar os demais. Ofensa ao princípio do contraditório. Nulidade. Renovação do ato com intimação dos defensores dos co-réus.

Rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz

Cuida-se de habeas corpus que Eduardo Sanz de Oliveira e Silva impetra em favor de Marco Antônio Mansur Filho objetivando a realização de novo interrogatório do paciente e do acusado Antônio Carlos Barbeito Mendes, nos autos da ação penal nº 2006.70.00.025752-0/PR (relativo à denominada Operação Dilúvio), em trâmite perante a 3ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Curitiba/PR. Sustenta o impetrante que é necessária a realização de novo interrogatório do réu Antônio Carlos, pois obrigatória a presença em tal ato da defesa técnica do co-réu Marco Antônio Mansur Filho, bem como dos demais co-réus, para que possam exercer o seu direito de ampla defesa e contraditório, por meio de reperguntas na forma prevista no artigo 188 do CPP, o que não foi observado. Diz que, sendo o interrogatório um meio de prova, impõe-se “como obrigatória a participação da defesa técnica de todos os acusados em todos os atos de interrogatório da presente ação penal“. Assim, refere que, embora a autoridade impetrada diga que não se utilizará das declarações do co-réu para eventual condenação, inevitavelmente, em razão de se tratarem dos mesmos fatos, mesma denúncia e de sentença que será prolatada pelo mesmo juízo, as declarações prestadas servirão como suporte para a convicção, ainda que não formalmente. Em relação à necessidade de reinquirição do ora paciente, aduz que, quando interrogado, o acusado Marco Antônio Mansur Filho estava longe de perceber a real dimensão de todo o caderno processual e, hoje, indiscutivelmente, tem outra compreensão de tudo o que está sendo tratado no processo, o que autoriza dizer que a realização de novo interrogatório só pode contribuir com a busca da verdade dos fatos. Segundo refere, “o paciente quer se defender do melhor modo possível com as garantias que a Constituição reserva, e hoje isso é possível“. Solicitadas informações para o exame da tutela de urgência, foram prestadas às fls. 305/314. René Dotti, Beno Bandão e Gustavo Scandelari apresentam manifestação, na qualidade de defensores de Marco Antônio Mansur, “com o fim exclusivo de concordar com os termos do writ“, alegando que o referido acusado sofre o mesmo constrangimento ilegal relatado na inicial da impetração. Requerem, assim, a total procedência do habeas corpus, para o fim de ser designado nova data de interrogatório aos acusados Antônio Carlos Barbeito Mendes e Marco Antônio Mansur (fls. 284/290). É o relatório. Decido. O despacho que indeferiu o pedido formulado pela defesa vem vazado nos seguintes termos: “... 2. Renovação dos interrogatórios A defesa de Marco Antônio Mansur Filho (f. 1042-1054) requereu a realização de novos interrogatórios de todos os réus, especialmente de Antônio Carlos Barbeito Mendes. Também a defesa de Marco Antônio Mansur (f. 1076-1085) requereu a realização de novos interrogatórios do próprio réu e do denunciado Antônio Carlos Barbeito Mendes Analiso conjuntamente os pleitos para indeferir o requerimento de novo interrogatório dos réus, por entendê-los desnecessários. Inicialmente registro que o interrogatório do réu Antônio Carlos foi realizado nos autos da ação penal nº 2006.70.00.029132-1, que tramita apensada à presente ação penal para julgamento conjunto. Contudo impende registrar que se tratam de ações penais distintas, havendo apenas compartilhamento de provas. Mas a prova oral colhida num processo sem a observância do contraditório em relação aos réus que não figuram no pólo passivo daquele processo, evidentemente, não poderá ser utilizada na outra ação penal em prejuízo da defesa. Ademais, não há alteração do conjunto fático e probatório existente à época da realização dos interrogatórios a demandar a repetição do ato. Tampouco vislumbro delação ou imputação de autoria por parte de qualquer dos denunciados aos demais réus Quanto à renovação do interrogatório, vale referir, exemplificativamente, alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça Assim sendo, indefiro os pedidos para realização de novos interrogatórios. ...“. (fls. 211/213). Vejamos. No que diz respeito ao interrogatório, deve-se atentar que tem prevalecido, quanto a sua natureza jurídica, a tese de que seria mista, ou seja, tem sido aceito como meio de prova e de defesa. Segundo o escólio de Guilherme de Souza Nucci, “o interrogatório é, fundamentalmente, um meio de defesa, pois a Constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Logo, a primeira alternativa que se avizinha ao acusado é calar-se, daí não advindo conseqüência alguma. Defende-se apenas. Entretanto, caso opte por falar, abrindo mão do direito ao silêncio, seja lá o que disser, constitui meio de prova inequívoco, pois o magistrado poderá levar em consideração suas declarações para condená-lo ou absolvê-lo.“ (in Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 387). Tendo em conta tal ponderação, há de se considerar a situação fática dos autos. A despeito da afirmação feita pelo juízo de que “a prova oral colhida num processo sem a observância do contraditório em relação aos réus que não figuram no pólo passivo daquele processo, evidentemente, não poderá ser utilizada na outra ação penal em prejuízo da defesa“, não se pode olvidar que se tratam de co-réus, contra os quais foi apresentada uma única denúncia, não havendo, por conseguinte, “processos distintos“, mas, sim, um processo único cindido (atualmente reunido). O contexto fático é exatamente o mesmo, de modo que as declarações de um réu, podem, sim, influenciar os demais. Assim, em que pesem as judiciosas considerações do juízo impetrado quanto ao ponto, a realização do interrogatório de Antônio Carlos Barbeito Mendes sem que as defesas dos co-réus fossem intimadas para participar do ato e, portanto, formular as perguntas que entendessem necessárias, pode dar ensejo a alegação futura de cerceamento de defesa, uma vez que, apesar de o juízo referir que não se utilizará das declarações feitas pelo referido acusado, dificilmente poderá se desvincular de suas alegações para formação do juízo de convicção. Em se tratando de fatos únicos e de difícil complexidade, quase impossível a realização do referido intento. No presente caso, a fim de se evitar o reconhecimento de nulidade processual por cerceamento de defesa e de ofensa ao princípio do contraditório, o que ocasionaria, então e realmente, a procrastinação indevida do feito, basta que o juízo oportunize a realização de nova audiência de interrogatório do acusado Antônio Carlos, com a intimação dos defensores dos co-réus para que possam exercer plenamente o direito de defesa, que entendem violado. Destarte, “o interrogatório do acusado dar-se-á 'na presença de seu defensor, constituído ou nomeado' (art. 185 - CPP, com a redação da Lei nº 10.792/2003). Se, no interrogatório ou reinterrogatório, um co-réu incrimina outro, esse depoimento equivale a um testemunho, devendo ser tomado na presença dos defensores dos co-réus, sob pena de nulidade por ofensa ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa“ (TRF 1ª Região, HC 200401000558665/AC, 3ª Turma, DJ 25/2/2005, p. 14, Relator(a) Des. Fed. Olindo Menezes). Portanto, deve ser deferida a liminar parcialmente para oportunizar aos defensores dos co-réus, que façam as perguntas que entenderem cabíveis ao denunciado Antônio Carlos Barbeito Mendes, devendo, entretanto, este ser informado, do seu direito de permanecer calado, conforme preconizam os artigos 5º, LXIII, da Constituição Federal e 186 do Código de Processo Penal. Entretanto, melhor sorte não assiste ao pedido de realização de reinterrogatório dos acusados Marco Antônio Mansur e Marco Antônio Mansur Filho. Ora, as alegações feitas pelas defesas dos referidos denunciados no sentido de que atualmente estes têm melhor compreensão dos fatos que lhe foram imputados, não servem para invalidar as declarações anteriormente colhidas, com observância de todos os princípios constitucionais. Se assim fosse permitido, todos os réus, decorrido certo tempo da instrução processual, teriam maior clareza das acusações feitas e, então, aprazada nova data para inquirição, poderiam melhor exercer sua autodefesa. Para tal faculdade, dispõem da fase de alegações finais, oportunidade que poderão fazer um panorama de tudo que se encontra encartado nos autos e, então, oferecer suas teses defensivas. Não há, portanto, qualquer justificativa plausível para a pretensão ofertada. Ademais, e por fim, basta referir o que foi dito pelo juízo de primeiro grau nas informações - in verbis: “... Relativamente ao pleito para novo interrogatório do paciente MARCO ANTÔNIO FILHO, este juízo igualmente não vislumbra motivo que justifique a necessidade do ato. Não houve alteração significativa do conjunto probatório, tampouco qualquer chamada de co-réu que pudessem justificar a pretensão de algum esclarecimento que não fosse possível na anterior oitiva Ademais, com exceção de três das novas ações penais acima referidas (casos dos gerentes/operadores e caso lavagem de dinheiro), o paciente Marco Antônio Filho é denunciado em todas elas, tendo sido designados três interrogatórios do paciente para o dia 28/11/2007, e outros sete interrogatórios entre os dias 20, 21 e 28/02/2008. Várias dessas ações dizem respeito diretamente às supostas ações da apontada organização criminosa, de modo que o paciente poderá suficientemente esclarecer os fatos que pretende e, se for o caso, requerer a juntada de cópia daqueles interrogatórios nos autos da ação penal em questão (nº 2006.70.00.025752-0)“. Sendo assim, defiro parcialmente a liminar para determinar a realização de novo interrogatório de Antônio Carlos Barbeito Mendes, com a intimação dos defensores dos co-réus, para participação do ato. Comunique-se a autoridade impetrada. Após, dê-se vista do writ à Procuradoria Regional da República. Porto Alegre, 23 de outubro de 2007.

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